Propriedade Intelectual

Direitos Autorais x Inteligência Artificial

Flávia Lima Costa
24/9/2024

O termo Inteligência Artificial (IA) foi utilizado pela primeira vez em 1956, por John McCarthy. No entanto, considera-se que a origem da IA se deu ainda no início dos anos 40, por meio do modelo computacional para redes neurais criado pelo neurofisiologista Warren McCulloch e pelo matemático Walter Pitts[1].

Posteriormente, em 1950, Alan Turing – o matemático, cientista da computação, lógico, criptoanalista, filósofo e biólogo teórico britânico[2] – já fazia testes para verificar se uma máquina poderia demonstrar a mesma inteligência de uma pessoa. Turing foi uma peça-chave durante a Segunda Guerra Mundial, pois construiu uma máquina que permitiu a decodificação de mensagens nazistas interceptadas, possibilitando aos Aliados a vantagem de ficarem um passo à frente do conflito, como bem demonstra o filme “O Jogo da Imitação”, lançado em 2014, com oito indicações ao Oscar.

A partir desse fato, a IA evoluiu de forma vertiginosa, como pode ser observado no gráfico[3] a seguir:

A previsão, portanto, era que em 2023 o poder da máquina já se tornaria superior ao poder do cérebro humano. Isso, por vezes, não deixa de ser assustador.

No cenário atual, as máquinas têm sido aliadas no dia a dia do ser humano, em diversas áreas do conhecimento, como catalizadoras da “ produtividade ” . Há software no qual você insere o conteúdo e o design é por conta dele (Beautiful.ai); há aqueles em que você consegue remover fundos e objetos, produzir efeitos fotográficos, de vídeo etc. (Picsart AI); há aquele que produz marketing de conteúdo (Jasper); há outro que verifica a ortografia, gramática, pontuação (Grammarly); há aquele que acomoda linguagem natural respondendo a prompts de solicitação escrita humana, com a possibilidade de criação infinita (ChatGPT); entre vários outros[4].

No entanto, essas muitas informações e funcionalidades na palma da mão nem sempre caminham atreladas à segurança de dados ou respeitam os direitos autorais.

Recentemente, noticiou-se que oito jornais norte-americanos processaram a OpenAI e a Microsoft por infringirem esses direitos[5]. O objetivo principal da ação judicial não é o recebimento de uma indenização ou a assinatura de algum acordo com essas Big Techs, o intuito é proibir que as IAs utilizem conteúdos produzidos pela imprensa.

Essa movimentação começou após o The New York Times acionar a justiça no fim do ano passado. Ocorre que os veículos de comunicação afirmam que o ChatGPT teria sido alimentado com diversas matérias que foram produzidas pelos seus jornalistas, sem que houvesse permissão e, tampouco, o pagamento de direitos autorais. Além disso, alega-se que as IAs também teriam removido a menção aos referidos jornais na hora de citar fontes. Não bastasse isso, denunciou-se a criação de posts forjados[6].

Ou seja, trata-se de uma linha muito tênue entre aquilo que auxilia e o que prejudica os seres humanos.

Contudo, é importante levar em consideração que todas essas discussões são muito recentes e, por esse motivo, ainda não há definições específicas sobre o tema.

Em abril do ano passado, especialistas estiveram presentes em um debate na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados para poderem tratar dos impactos da IA no que diz respeito à propriedade intelectual.

Na oportunidade, advogados e professores teriam explicado que, de acordo com a legislação brasileira, são obras intelectuais protegidas aquelas criações de espírito, expressas por qualquer meio e fixadas em qualquer suporte conhecido ou que se torne conhecido no futuro. Ainda, explicou-se que, pela Lei, é considerado autor a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica[7].

Diante disso, o professor Raul Murad, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), esclareceu que “hoje não é possível proteger com direitos autorais os produtos gerados pelo sistema de inteligência artificial, já que o criador deve ser pessoa física. Hoje esses produtos estão em domínio público ”

Todavia, ao retornar brevemente para o caso dos jornais norte-americanos processando a OpenAI e a Microsoft, chega-se a um questionamento importante: e as criações da inteligência artificial que utilizam, como fonte, criações humanas, protegidas por direitos autorais?

É com base nisso que passou a tramitar, na Câmara, o Projeto de Lei nº 1473/2023, que “torna obrigatória a disponibilização, por parte das empresas que operam sistemas de inteligência artificial, de ferramentas que garantam aos autores de conteúdo na internet a possibilidade de restringir o uso de seus materiais pelos algoritmos de inteligência artificial, com o objetivo de preservar os direitos autorais ” .

Em que pese tal esforço iniciado em 28 de março de 2023, ainda não há decisão definitiva sobre o texto proposto. No entanto, em 5 de junho de 2024, o PL foi retirado de pauta por solicitação da Relatora, Dep. Jandira Feghali (PcdoB-RJ) que, em 12 de junho, apresentou parecer pela aprovação do texto. Na mesma data, a Comissão de Cultura também emitiu parecer pela aprovação.

À época dos debates iniciais da Comissão de Cultura da Câmara, a professora Dora Kaufman, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutora em impactos sociais da IA, afirmou que “Remunerar os artistas cujas obras foram base da produção e criação dessas soluções de inteligência artificial não é possível. Ela esbarra frontalmente com essas características da própria funcionalidade do ChatGPT e outras soluções congêneres ” .

Consequentemente, mesmo que haja uma intenção legislativa de regulamentar o assunto, ela deve estar atrelada às funcionalidades da IA, o que ainda não é o caso, eis que sequer há integral conhecimento da aplicabilidade da Inteligência Artificial.

Em paralelo ao cenário brasileiro, o Parlamento Europeu, recentemente, aprovou uma legislação específica para a IA, o que aumentou a pressão sob o Brasil para que discuta o tema de forma mais aprofundada.

É evidente que, para quem criou suas obras, vê-las utilizadas de forma irrestrita sob o argumento de que a situação não se amolda à legislação vigente e que não há legislação específica para isso é um tanto quanto frustrante.

Contudo, nem sempre essa individualização e conhecimento da autoria da obra é possível, uma vez que a IA também pode construir uma resposta ou propor soluções a partir do somatório de trechos de obras diversas, ou imagens de diferentes fontes, impedindo a identificação da obra protegida, o que também é um outro ponto frágil do tema.

As referidas dificuldades, no entanto, não impedem que os autores das obras sintam-se insatisfeitos.

Em defesa desses direitos, o representante da Motion Picture Association (MPA) Brasil – que envolve a Disney, a Paramount, a Universal e a Netflix – Ygor Valério, defendeu a remuneração “dos criadores intelectuais cujas obras são usadas para instruir inteligências artificiais” , tudo isso em nome da segurança jurídica e da preservação dos direitos autorais[8].

Desse modo, é possível perceber que é longo o caminho que ainda deve ser percorrido, não apenas no Brasil, mas em todos os países do mundo, já que as IAs estão ao alcance de todos e possuem fontes de pesquisas robustas e irrestritas. Apesar do grande esforço a ser empregado, urge a regulamentação, a fim de que direitos sejam respeitados, antes que se perpetuem práticas abusivas e ilegais sem qualquer tipo de restrição por falta de lei colocando limites às atividades das IAs.

Tratando-se, portanto, de um interesse de todos, é necessária uma participação popular ativa, por meio de entidades não governamentais, universidades e/ou sociedade organizada, tanto na cobrança da imediata regulação, quanto para auxiliar na construção do entendimento e parametrização do projeto de lei.

[1] Disponível em: https://www.zendesk.com.br/blog/qual-e-a-origem-da-inteligencia-artificial/ Acesso em 13 mai 2024.  
[2] Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Alan_Turing Acesso em 13 mai 2024.  
[3] Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/ciencianerd/2017/06/23/inteligencia-artificial-com-o-que-precisamos-nos-preocupar-vol-8-n-1-2017/ Acesso em 13 mai 2024.  
[4] Disponível em: https://investnews.com.br/colunistas/metanews/10-ferramentas-de-inteligencia-artificial-para-aumentar-sua-produtividade/ Acesso em 13 mai 2024.  
[5] Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/2024/apr/30/us-newspaper-openai-lawsuit?utm_source=the_news&utm_medium=newsletter&utm_campaign=02-05-2024 Acesso em 13 mai 2024.  
[6] Fonte: The News. Edição do dia 2 de maio.  
[7] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/951780-obras-produzidas-no-chatgpt-nao-sao-protegidas-por-direitos-autorais-esclarecem-especialistas/ Acesso em 14 mai 2024.  
[8] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/951780-obras-produzidas-no-chatgpt-nao-sao-protegidas-por-direitos-autorais-esclarecem-especialistas/ Acesso em 14 mai 2024.

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